segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Textos recebidos - 10

Compreender o que é possível e
Compreender que é possível


Meu titulo de eleitor – não precisávamos de outro documento, tinha nosso retrato – é datado: 28 de dezembro de 1964. Em minha casa a política (local e nacional, o PSD e a UDN…) era assunto discutido entre todos: meus pais acompanhavam pelo rádio as terríveis vociferações de Carlos Lacerda; choramos a morte de Getúlio ao lado dos gritos de júbilo do vizinho; ainda criança, participei de comícios do Juscelino e do Lott, o que me preparou para vários outros comícios.
Aprendi que em um país com um passado com tanto autoritarismo, tanto clientelismo, tanto nepotismo – em vários tons – tanto racismo, tanta discriminação (contra mulheres separadas, negros, índios e homossexuais) conquista-se lentamente plenos direitos.
Restabelecido o voto para Presidente da República, a primeira eleição com o voto direto (1989) teve, acho, vinte candidatos, e já havia dois turnos. Para evitar aquele resultado teríamos de ter mais maturidade e trabalhar mais com acordos… mas nem é justo pedir isso de nós naquele momento. Depois do impeachment, assumiu seu vice-presidente, lembram quem era? O processo de implantação da democracia seguiu seu curso lentamente e houve melhoras.
Em 1994, havia menos candidatos e mais esperança – o mandato durou oito anos previstos e a esperança teve de esperar dias melhores…
Não vou falar de outros setores da vida pública e sei que houve melhoras em alguns; vou falar do que vi e vivi.
Foram anos em que a Universidade Pública passou por maus momentos… Ameaças constantes de mudanças nos planos de previdência levaram à aposentadoria precoce muitos doutores em plena atividade e começando a dar o retorno de seus estudos e pesquisas para o país; oito anos com salários arrochados, obrigando professores a buscar outras atividades com recursos complementares; oito anos sem expansão de vagas nas universidades públicas; oito anos com a universidade trabalhando com um grande efetivo de professores contratados temporariamente; oito anos sem criação de novas universidades; oito anos sem uma efetiva política de fomento à pesquisa e à pós graduação; oito anos de deslavado estímulo à proliferação de cursos e faculdades e universidades privadas de qualquer ou sem qualquer qualidade.
Em 2002, conseguiu-se eleger Lula.
Aos poucos, começamos a compreender o que era possível e que era possível: ganharmos melhor, condição indispensável para ter sossego e produzir bons trabalhos; ter políticas de aprimoramento do corpo docente em cursos de pós graduação; ter alunos de diversas origens em nossas salas de aula e aceitarmos o desafio que é trabalhar com brasileiros e brasileiras criaturas de nossa própria história e nos responsabilizarmos por eles e por elas. Começamos a dar mais significação à palavra história e ter mais respeito por ela – sempre sabendo que não é feita apenas dos nossos sonhos. Dos sonhos de todos.
Extraio do Manifesto de alguns Reitores de universidades públicas um pequeno balanço:

Este período do Governo Lula ficará registrado na história como aquele em que mais se investiu em educação pública: foram criadas e consolidadas 14 novas universidades federais; institui-se a Universidade Aberta do Brasil; foram construídos mais de 100 campos universitários pelo interior do País; e ocorreu a criação e a ampliação, sem precedentes históricos, de Escolas Técnicas e Institutos Federais. Através do PROUNI, possibilitou-se o acesso ao ensino superior a mais de 700.000 jovens. Com a implantação do REUNI, estamos recuperando nossas Universidades Federais, de norte a sul e de leste a oeste. No geral, estamos dobrando de tamanho nossas Instituições e criando milhares de novos cursos, com investimentos crescentes em infraestrutura e contratação, por concurso público, de profissionais qualificados.”

Por isso tudo, acompanho com muita apreensão esse próximo segundo turno. Pela primeira vez, percebo que pode não haver nem mesmo aquela pequena, mas respeitável melhora.
Temo um retrocesso, muito bem embasada em nossa história: o passado nem tão distante e um futuro que testemunhamos ser possível construir, mas que é possível destruir.
O dia da eleição é um maravilhoso dia de festa, mas nosso voto não pode ser festivo; temos responsabilidade histórica por todos aqueles e aquelas que confiam em cada um de nós para que suas vidas sejam todo dia, um pouco, melhor.
Muito juízo!

Eliane Marta Teixeira Lopes
Doutora em Educação
Professora Emérita da Universidade Federal de Minas Gerais
Belo Horizonte, 8 de outubro de 2010.

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